Entre nós

Maria Angélica de Oliveira

Lucélia de Lima

Conectar-se com o entorno envolve todo o corpo: os ouvidos ficam atentos, a pele percebe cada mudança dos ventos, da temperatura, da presença/ausência de outras peles. Os olhos traçam um mapa de cada área num movimento de encontro/proteção/defesa. 

Em uma situação de vida em comunidade cada abraço é uma festa para os sentidos; cada mordida um alimento à potência de vida. Mas... da comunidade evoluímos à sociedade. E evoluir não é necessariamente melhorar: se por um lado produzimos e distribuímos como nenhum outro humano em tempos anteriores foi capaz, por outro lado, para produzir, nos submetemos a um fatiamento do corpo em termos de conexão. 

É só lembrar dos Tempos Modernos, de Chaplin: um ser humano preparado para produzir em larga escala, em submeter-se à esteira da produção, é também um ser humano alienado de sua corporeidade. E essa alienação significa caminhar em direção à desconexão. Quanto mais sistematizado o ambiente da produção, mais regulado, mecanizado para fazer. Um fazer que não se restringe ao ambiente de produzir, mas se direciona a toda atividade realizada pelo corpo.   

Em O Mal-estar da Civilização, Freud discute o quanto ser civilizado custa a cada um de nós. E um grande preço é esse: perder a relação do corpo humano com os outros corpos. Permitir uma construção subjetiva desvinculada da ideia do encontro, de tempo comum. Lembrem-se só dos relógios de Salvador Dali: moldados aos objetos como se objeto apenas fosse. O tempo do relógio nas sociedades modernas regula uma vida fracionada, dividida em caixinhas em que se abre de programada uma por vez. O resultado? Nós, tentando nos perfazer como se ficar entre os nossos fosse muito custoso, difícil. 

A música, por outro lado, pela ancestralidade que nos acompanha, tem o condão de produzir os fios de recuperação dos sentidos. Mas para isso é preciso afinar os ouvidos; entrar em sintonia com o tempo musical; deixar-se levar pelas ondas; prestar atenção em cada instrumento e na conversa entre eles. Em busca do conatos (lembrei-me de Spinoza), da potência de viver, da busca pela alegria dos encontros como se o corpo por memória procurasse uma lembrança perdida da vida comunitária em que os sentidos se integravam fazendo-nos parte, pertencentes ao meio, porque meio somos.






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